Convivo bem com o envelhecimento por conta dos erros adoráveis da mocidade. Não me arrependo de nada. Faço autocrítica de muita coisa, mas não é arrependimento. Essa coisa de arrepender-se é de natureza religiosa. E fui religioso, na infância. Não me arrependo de tê-lo sido. Autocritico-me.
Autocrítica difere de arrependimento. No arrependimento, você se mortifica. Autoflagela-se. Presta contas aos outros. Na autocrítica, você presta contas a você mesmo. Só. E se ampara moralmente para enfrentar a hipocrisia.
Quem se nega à autocrítica navega entre dois extremos. Ou é santo ou idiota. Não sou nenhum dos dois, graças a Tupã.
Ainda adolescente, vi meu país mergulhar desprotegido numa Ditadura. Poucos anos antes, criança, vi a morte natural do meu pai adotivo. E dois anos depois, aos dez anos, assisti à morte, por assassinato, do meu pai biológico.
A morte não me é companhia da velhice. Foi minha companheira de infância.
Na Casa do Estudante, pardieiro da Praça Lins Caldas, aprendi a lutar contra a Ditadura. Luta pequena, minimalista, de front paupérrimo.
Acreditei na solução comunista. Crença desfeita pelo tempo. Mas, a negação à exploração humana não se desfez. Não envelheceu em mim a negação ao fascismo, ao reacionarismo, à estupidez da Direita.
Não permito à velhice, que adoto sem traumas, o dedo apontado ao jovem que fui. Da mocidade incorporo tudo. Tudo. Principalmente os erros. E tenho pena de quem se mortifica da juventude que teve para vender-se à velhice da mortificação.
Meu corpo envelhece sendo o altar onde reverencio minhas crenças da mocidade. Todas elas. Até, como já disse, as que merecem autocrítica. Arrependimento, nunca.
O fascismo vive por conta e custo da deseducação. O fascismo não é uma ideologia, é um atributo comportamental. E navega em toados os lados. O pai repressor é fascista, mesmo se for socialista. A professora intolerante é fascista, mesmo se for cristã.
O governo brasileiro atual é fascista. Se é que seja governo. Não é ditadura porque não pode, mas gostaria de ser. É militarizado na forma mais avacalhada da vida militar, onde militares da ativa abocanham "as boquinhas" comissionadas, num vergonhoso cabide de empregos. Principalmente nas áreas de saúde e educação públicas.
Por ser velho, vou calar? Nunca. Vivam enquanto for vivo, em mim, as revoltas da juventude.
De Clóvis Pituleira, de Caicó, no Blog de Carlos Santos, de Mossoró:
"François, você é foda mesmo. Belo artigo, aliás, como sempre".
O mais belo e digno num ex-militante é a capacidade de guardar intacta na velhice sua indignação da juventude. François é um eterno menino indignado. Continua coerente consigo mesmo. Não traiu seus sonhos nem muito menos sua lucidez. Enquanto outros, cujas lutas foram muitíssimo menos minimalistas, hoje lambuzam suas biografias com o lodo nauseabundo do puxa-saquismo lavajatesco (cf. o jornalista Flávio Tavares. Grande decepção!)
François me representa! E continuo no aguardo do tomo II de "A Patria não é Ninguém" (que deve ter por título algo como... "A Patria é só de alguns"....
Um cheiro!
Introspecção dos amigos, que vê as agruras e nuances de nossa época, são parte do show da vida, mesmo as amargas