...mais um desmanche do passado. E como dói. Não doem os músculos nem o coração, é o passado que dói.
Quando cheguei ao Ginásio Diocesano Seridoense, que depois virou Colégio, em 1961, o diretor era Monsenhor Walfredo, que eleito vice-Governador no ano anterior, foi substituído pelo Padre Itan Pereira. Padre Ausônio Tércio de Araújo era o professor de francês. Depois assumiu a direção. Padre João Agripino, de matemática. Também ensinava matemática o professor João Diniz, o admirável João Bangu, como era conhecido. E sua mulher, dona Neta. Plácido Saraiva, o bode rouco, lecionava português. Padre Balbino, latim. Professor Guerra, geografia. Dona Iracema, história. Padre Antenor, religião.
Quase todos já se foram, e em homenagem aos vivos eu me curvo reverencialmente ante a inapelável sina do todos nós. Parte agora o Padre Tércio. Com quem mantive ao longo de toda a vida uma relação de amizade e afeto. Era um educador no sentido mais completo e extensivo da palavra.
Vejo agora, pelo olhar turvo da memória aqueles corredores guarnecidos de arcadas da mais simples nobreza, como sói ser a simplicidade do que é verdadeiramente nobre. As salas de aulas, os dormitórios, o refeitório e suas freiras adocicadas de humildade, a capela que separava o ginásio do seminário, o campo de futebol e os bebedouros em fila numa parede azulejada.
E vejo Padre Tércio, irado, após uma pichação que eu e Murilo Diniz fizemos criticando o Colégio. Ele entrou na sala de aula e nos apontou: foram vocês dois. Quando alguém perguntou como ele sabia, sua resposta foi: "Pela péssima caligrafia e a má feitura das frases". Saudade...muita saudade!
Meu professor de francês foi Professor Dias. Outra figura marcante da educação no nosso estado.
Como gostaria de ter conversado com esse padre na língua de Molière! Se ele soubesse que François, o moleque da "má feitura das frases" foi professor de português! E mais do que isso (mas isso acho que ele soube, é evidente!) que François tornou-se um dos melhores escritores potiguares! Potiguares só, não. Nacionais!
Um passado desmanchado em dor. Se doi, logo existe neste instante da Memória des-turvada de Francois. O padre e o muleque! A Ira do padre Tércio! François recorda-o em sentimento divino; vez que em Deus não houve Raiva ou Ódio. Nem no de Abraão, Isac ou Jacó. Mas Ira! A Sagrada Ira do educador para que a Criação dê certo. Você deu certo, Francois?