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Paulo Macedo

Noite de velório sem companhia. Apenas na madrugada uma olhada rápida do sétimo para o corredor do oitavo, de onde nos cumprimentávamos quase todos os dias, com acenos largos.

Não tive convivência com ele nos seus tempos de prestígio e de bajulações. Isso mesmo mesmo, ele não era apenas respeitado. Era bajulado. E nessa condição, o ostracismo fere o peito e produz amargura. Mas Paulo Macedo conseguia disfarçar, com seu jeito suave abastecia-se de um passado onde bailavam fatos e fantasias.

Nos últimos dez ou onze anos não fomos apenas amigos. Vizinhos de flats e convivência de irmãos.

Certa vez, um morador aqui do Ayambra, também muito conhecido em Natal, me indagou: "Você tem paciência com essas histórias de Paulo Macedo"? Respondi: "Paciência, não. Tenho prazer".

Ele me contava sua vida, a vida do Diário de Natal e a geografia humana daquele jornal onde sua Coluna fazia a crônica diária da "vida em sociedade", como se dizia antigamente.

E coisas deliciosas, como encontrar Marlene Dietrich num restaurante de Nova York ou cumprimentar Sophia Loren na saída de uma loja de chapéus, em Paris.

Tinha um programa numa televisão, até pouco tempo, e vivia me enchendo o saco para que eu fosse entrevistado. E eu enrolando desculpas. Ou então, me cobrando candidatura para a Academia de Letras, da qual ele era o vice-presidente. Respondia: "Paulinho, essa história de Academia é adolescência da idade intelectual". Ele dava risada.

"Eu tenho condecorações de todas as Armas, Exército, Marinha e Aeronáutica. E títulos de cidadania de mais de cento e trinta municípios". Me disse, certa vez. Eu respondi: "Paulinho, isso é uma mancha no seu currículo". Ele curvou-se, rindo, que quase bate com a cabeça nos joelhos. Levantou a cabeça ainda rindo e disse: "Você num tem jeito, não".

Ultimamente ele andava promovendo umas festas, nos fins de ano, chamadas "noite das celebridades". Parece que era esse o nome. Aí, todo ano vinha me convidar pra ser homenageado. Como eu sabia que a regra da festa não aceitava colaboração do homenageado, eu me antecipava e fazia um cheque de colaborador. Ele recebia, fazia uma careta e dizia: "Ano que vem a gente conversa". E assim eu me livrava da honraria.

Durante minha participação no Novo Jornal, ele era leitor cativo da minha coluna. Às vezes eu chegava de Martins e ele me atalhava pra comentar o último texto. E arrematava, "Eu quero ir a Martins. Sabia que sou cidadão de lá"? Dizia e não esperava a resposta, saindo rápido e rindo.

Noite de solidão e tristeza. Não o verei no corredor de cima, quando sair para caminhar. Nem na conveniência de Dona Sônia. Antes dele, habitantes daqui, já partiram Jansen Leiros e Fred Teixeira. Fazer o quê? Tecer saudade.

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